
ÀṢẸ CORPO:
VAIDADE COMO DIREITO, BELEZA COMO DESTINO E A CURA QUE MEU ORI ESCOLHEU.
No início de agosto, me permiti algo que, por mais simples que pareça, foi um rito de passagem: fiz uma sessão de fotos para mim. Não para uma marca. Não para um evento. Para mim, para a minha história, para a minha trajetória de vida. Essas imagens, que estarão no meu novo site, são mais do que registros visuais: foi um jeito de fazer as pazes comigo, celebrando a coragem de dizer em voz alta que eu me aceito, que sou bonito, sim.
A ideia que guia esse ensaio é falar sobre o quanto demoramos a nos reconhecer como belos quando somos pessoas pretas retintas. Carregar a cor da noite na pele, ou melhor, todos ficam pretos quanto mais perto estiver do sol, é carregar também o peso do olhar do outro, que muitas vezes nos negou humanidade.
Por isso, dar esse passo não é apenas um movimento profissional. Serão as fotos oficiais dessa nova fase de trabalho, isso aqui faz parte de um resultado de anos de negligência comigo mesmo, de uma década dedicada à internet e à imagem dos outros, enquanto minha própria imagem por vezes não era priorizada, quase como se não merecesse ser celebrada.
Essas fotos não são vaidade no sentido superficial. São vaidade enquanto coragem. São vaidade enquanto direito. São vaidades enquanto ato de autocuidado que por tanto tempo me foi negado, até por mim mesmo.
E, para que esse momento fosse possível, não estive só: fui sustentado por mãos, olhares e parcerias que acreditaram comigo. Pra começar, só fui capaz de chegar até aqui graças a Ester Antonieta, psicóloga afrocêntrica e a espiritualidade.
Para o dia das fotos, contei com o trabalho com a beleza, maquiagem e styling de Cadu Araújo; a força criativa de Cíntia Félix, com sua marca AZ Marias; o olhar afrofuturista na alfaiataria de Bruno Gomes, com a Áblior; e, sobretudo, o registro sensível, potente, racializado e verdadeiro de José de Holanda, que soube enxergar em mim aquilo que muitas vezes eu não enxerguei.
O cabelo foi preparado por DYOU, meu novo dread maker, que compreendeu o que meu Ori precisava para se fortalecer naquele dia. Meus dreads, presos em duas tranças para o início do ensaio, carregam mais do que estética: carregam memória e rito. E, antes disso, fui cuidado pelos profissionais do salão Seu Jorge, que, em uma sexta-feira, usavam branco e me acolheram como se estivessem cuidando de um filho de Oxalá. Esse detalhe é fundamento: cada gesto foi axé.





Cada etapa deste ensaio tem um porquê de existir. As primeiras fotos, feitas com o look branco, representam a paz de finalmente me reconhecer. Meus dreads presos para trás quase desaparecem, como se não estivessem ali. Mas, de perfil, revelam sua presença, como uma metáfora perfeita do tempo que levei para aceitar que poderia cultivá-los, independentemente do julgamento alheio.




Ali estão eles, como a trança de Exu, senhor da comunicação e dos caminhos, lembrando que não existe palavra sem encruzilhada, nem futuro sem o caos necessário do movimento. E como sou um comunicador por essência, começos essa nova fase da minha vida, reconhecendo que meu caminho só é porque também ele já foi.





Exu, que matou um pássaro ontem com a pedra que só lançou hoje, me ensina que meu passado, com suas dores, foi apenas preparação para que hoje eu pudesse viver a glória de estar em paz comigo mesmo. E essa paz é sobre me reconciliar comigo mesmo.




No ensaio com AZ Marias, usando um blusão largo, cinza e meu coque elevado como coroa, celebro leveza. É nesse instante que digo, sem palavras: “estou livre para seguir meu caminho, sem medo do que vão dizer”. É nesse clique que me conecto aos meus ancestrais e sinto a revolução que é viver em um tempo em que câmeras registram minha potência, beleza e liberdade, não apenas nossa dor ou nosso sangue.




Ali, encontro o Samuca do passado, o mesmo que cresceu numa realidade conservadora e religiosa, sufocado por um deus punitivo, racista e LGBTfóbico. Olho para ele em pensamento e digo: a leveza dessa roupa é liberdade. É a prova de que os caminhos vão me guiar para ser autêntico e fiel ao que acredito, aos meus valores e ao meu propósito.





E então vem a roupa preta, com os cabelos soltos ao vento. Ali, celebro o luto. Sim, finalizo essa sessão de fotos com um luto do Samuca que não se via, não se amava, não se valorizava. Ele não existirá mais. Ele já não fará mais parte dessa jornada.




É o fim e o começo de uma nova história, e de preto, celebro a vida: a vida de quem entendeu que, como filho de Oxóssi, trago em meu destino prosperidade, beleza e fartura. Que, com fé e foco, uma única flecha é suficiente para acertar meus objetivos.





Sorrir diante da câmera, depois de tudo, é um marco imenso. Meus cabelos, meus dreads, que muitas vezes já me fizeram pensar que não receberia afeto, oportunidades de trabalho, reconhecimento ou respeito, estão leves, livres, soltos. Nessas fotos ele algumas vezes cobrem meu rosto como máscara, me mostrando que dali também vem minha proteção.
Esse ensaio que vocês estão vendo, foram fotografados em agosto de 2025, mês de Omulu, senhor da cura. E é essa cura o que sinto agora, em cada parte do meu corpo, das solas dos pés até o topo da cabeça.
Hoje, sou Sol. Um Sol que não se esconde, que não tem medo de brilhar, que sorri com a esperança de criar cenários mais luminosos para o futuro. Um Sol que se reconhece único, inteiro, em missão. Um Sol que aprendeu, finalmente, a ser luz para si e para os outros.
