Minha história começa enraizada na periferia de São Paulo, no bairro de Americanópolis. Ali, numa família conservadora da Congregação Cristã no Brasil, cresci cercado pelas rígidas doutrinas evangélicas que marcaram minha infância. Desde os quatro anos, a música já me conquistava, o violino tornou-se meu companheiro fiel e me abriu portas para a arte, o desenho e a dança como hobby. No entanto, junto com essa paixão, a criação religiosa impunha um silêncio doloroso. Essas raízes na região sul paulista e a rigidez do ambiente familiar plantaram em mim, desde cedo, perguntas sobre identidade e pertencimento.
Minha formação acadêmica foi possível graças às políticas públicas de inclusão: ProUni e Enem abriram-me o caminho para cursar Design Gráfico. Com essas bolsas, consegui uma formação que me deu base e conhecimento para fazer tudo o que realizo hoje. Depois da universidade, além do conhecimento técnico, aprendi a me impor. Depois com a experiência no mercado embranquecido, fui encontrando inspiração nos estudos sobre diversidade, que revelavam a importância de ampliar as vozes historicamente silenciadas.
Paralelamente, passei a me envolver em ONGs e movimentos sociais, o que mudou completamente meu olhar de mundo. Um marco foi integrar o Projeto Purpurina, criado pelo Grupo de Pais de Homossexuais, liderado por Edith Modesto, onde fui acolhido pela primeira vez como de fato “normal”. Nessas reuniões, tive contato com relatos e livros de pessoas LGBTQIA+ que me mostraram que eu não estava só. Essa rede de apoio fez com que, desde a metade pro finalda faculdade, eu percebesse que poderia transformar minhas dores em potência.
Por anos, tive um blog que era o meu canto seguro: ali eu registrava tudo que aprendia e sentia sobre minha orientação sexual. Escrever tornou-se um verdadeiro refúgio; era a forma de expulsar as angústias que me engasgavam e o único recurso para não me destruir. Aos poucos, percebi que podia usar essas palavras não só para me libertar, mas para ajudar outros. A escrita me deu paz, me conectou a outras pessoas e me fez entender que não sou uma abominação, nem eu, nem nenhum de nós.
Em 2015, ainda cursando Design, decidi criar um canal no YouTube chamado “Guardei no Armário”. No começo, o medo do preconceito ainda me paralisava: por dois anos, eu só entrevistava pessoas LGBTQIA+ sem aparecer nos vídeos, receoso de que minha pele preta fosse alvo de racismo. Só depois de superar esse receio é que meu rosto passou a aparecer nas telas, e o canal cresceu para além das histórias de “sair do armário” surgiram quadros sobre música, viagens e outras vivências.
Em paralelo, compilei minhas próprias experiências no livro Guardei no Armário: trajetórias, vivências e a luta por respeito à diversidade racial, social, sexual e de gênero, publicado em 2020 pela Companhia das Letras, no selo Paralela. Esse livro nasceu da dor de nunca me ver representado, e nele compartilhei memórias do primeiro amor, descobertas sobre identidade e até o relato emocionante de meu próprio pai, criado como eu numa perspectiva evangélica. Além das minhas memórias, entrevistei diversos ativistas brasileiros LGBTQIA+, ampliando o leque de vozes e reforçando que nossas histórias precisam ser registradas e ouvidas.
Minha trajetória me levou a ser reconhecido e em 2019 fui nomeado Top Voice pelo LinkedIn e, em 2020, listado pela Forbes como um dos inovadores criadores de conteúdo negros do Brasil. Esses reconhecimentos, somados às palestras, eventos e ao trabalho contínuo como comunicador, abriram novos caminhos e reforçaram meu papel como referência na interseção entre raça, sexualidade e periferia.
Hoje, cada desafio superado reforça meu propósito. Ainda trago comigo a dor de viver em um dos países que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. Recordo que, mesmo após anos em um relacionamento estável, não me sinto seguro de andar de mãos dadas em público. Isso me move a seguir dividindo minha história: carrego meu “armário” comigo, não mais para esconder segredos, mas para guardar aprendizados e evitar que outros passem pelo mesmo sofrimento.
Minha trajetória, vinda da periferia paulista e construída entre grafismo e violino, fundou um legado de representatividade. De artista e designer a escritor e educador, tornei-me um militante das letras apaixonado pelo que faço, porque cada capítulo que escrevo e cada vida que escuto ampliam as cores do arco-íris no coração do Brasil.