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Escrever pra mim nunca foi um sonho, um destino ou mesmo algo que eu visse como inspiração dentro de casa. Comecei na literatura por necessidade de colocar pra fora tudo que sentia, um jeito de externalizar sentimentos que ainda não compreendia.
Essa vontade de dizer ao mundo que eu existia, que o que aprendi sobre ser um homem gay e negro na tv ou na igreja não era verdade, ou totalmente verdade. Na infância eu inclusive acreditei por muito tempo que nem saber ler ou escrever direito eu sabia. Acho que nunca fui o melhor aluno nas aulas de português, mas sabe o que sou bom mesmo? Em desafiar o que pensam de mim.
Daí veio a vontade de fazer o Guardei no Armário, depois veio o desejo de continuar escrevendo, mais tarde os convites para participar de outras publicações e já se vão 10 anos. E quero ainda mais. Quero escrever livros infantis, quero escrever sobre as histórias dos meus ancestrais, quero fazer poesia, quero compor músicas… quero fazer do português que é minha língua, meu manto de coragem.
Me conheçam pela minha escrita.
Guardei no Armário (2016)
O livro foi lançado no dia 23 de maio de 2016, em São Paulo, integrando a programação da Parada LGBT e contou com a presença do então senador Eduardo Suplicy e muitos convidados.
“Conto neste livro a ferida que a igreja evangélica abre nos corações dos LGBTs que crescem nelas e os traumas que carregamos em silêncio”, afirma. Segundo Samuel, a inspiração para transformar em livro sua experiência, compartilhada anteriormente em um blog, de mesmo nome, surgiu da observação do quanto falta um referencial inspirador para quem passa por essas mesmas dificuldades. “Ainda existem poucos títulos nacionais feitos para o público LGBT, gerados por LGBTs, e é quase impossível achar algum com um protagonista negro”.
O livro integra o projeto Guardei no Armário, que também conta com um canal no Youtube onde outros públicos considerados minoria compartilham suas experiências de vida. “Conheci muitas pessoas que poderiam escrever livros sobre suas vidas, suas dores e conquistas.


Guardei no Armário (2020)
Sobre o livro (prefácio de Thiago Amparo)
O relato de como um jovem nascido na periferia de São Paulo superou o racismo e a homofobia para lutar pelos próprios direitos — e de muitos outros como ele –, acompanhado de diversas entrevistas com personalidades LGBTQIA+.
Samuel Gomes teve uma infância parecida com a de vários outros meninos nascidos na periferia das grandes cidades brasileiras: dividia o quintal de sua casa com muitos parentes, estudava em uma escola do bairro e via seus pais batalharem para dar um futuro melhor a ele e à sua irmã. Porém, logo começou a perceber que era diferente daqueles que o cercavam: ele sentia atração por outros meninos. Assim, o medo de ser quem é foi um fio condutor do seu amadurecimento, ainda mais por ser negro e fazer parte de uma família extremamente evangélica. Além das várias situações de racismo e discriminação que teve que enfrentar, tinha a Igreja, que não era apenas um lugar que frequentava aos domingos com sua família, mas sim uma instância onipresente em sua vida, que ditava seu modo de vestir, de se comportar, de pensar e de viver.
Foram longos anos até que pudesse entender que a vida não precisava se resumir à realidade em que nasceu, e que o que sentia não era errado nem “anormal”. Sua luta por estudo, autodescoberta e autoaceitação é narrada neste livro, junto a reflexões que ele tece sobre ser um homem negro e homossexual no Brasil. Além da história de Samuca, o livro conta com entrevistas que ele fez com personalidades LGBTQIA+ brasileiras, que abriram seus armários e compartilharam suas trajetórias para fora deles.
“Samuel Gomes contém em si multidões. Neste livro, o escritor desnuda todos as camadas do que significa ser um homem negro, gay, de família evangélica no Brasil de hoje. Samuel nos permite, por meio de sua história contada em primeira pessoa, conhecer o humano por trás de tudo que ele guardou em seu armário. Engana-se quem espera deste livro uma história ou de uma vítima, ou de um herói: Samuel humaniza a si e a tantos outros e outras que entrevista neste livro ao contar a história mais comum de todas: a luta para ser feliz. Amor, família, autoaceitação, ativismo, risos e choros: estão todos aqui. Samuel nos lembra, por meio deste livro, que não estamos sós. Nunca estivemos.”
outras produções literárias

Se não fosse por você, eu não estaria aqui: cartas para quando eu era adolescente
A Flipop de 2020 me convidou a fazer parte de um compilado de textos enviados por autores daquela edição para escreverem para os seus eus do passado. O meu texto encontra numa edição limitadíssima para participantes daquela edição e ficou assim:
Olá, Sami. Você está acostumado a ouvir só as pessoas mais íntimas e próximas a você te chamar assim. Pois bem, quem é mais íntimo de você do que você mesmo né? Eu to escrevendo essa carta com 32 anos, sentado numa cadeira, de frente para uma tela de computador que você jamais imaginaria que seria possível ter. Você hoje é reconhecido pelo trabalho que você desenvolve no mercado publicitário, é respeitado pelo empenho que tem na luta por igualdade, pelo respeito à diversidade, combatente na luta contra o racismo e por um ambiente de trabalho mais diverso. Você ainda está pensando que a melhor saída é morrer, uma vez que você a essa altura, já sabe que é gay e nada mudará isso. Eu sei quantas vezes você chorou, orou, clamou e suplicou a Deus. Posso te contar, uma coisa? Ele ouviu as suas orações, mas o amor e o poder Dele, vão deixar muita gente que você conhece confusa. Deus te ama como você é e vai te mostrar que nem todos que dizem amar o próximo como a tí mesmo, dizem a verdade. Muitas coisas vão acontecer com você. Não será um caminho fácil, mas vou te contar. Você será muito amado, você terá uma família linda e conquistará ainda muitas coisas.
Preconceito, uma história
Fui convidado a escrever sobre preconceito numa coletânea de idéias sobre o tema desses dois pensadores, filósofos e pesquisadores. O lançamento aconteceu em 2023. Segue a minha compreensão sobre o que é preconceito, e que poderão conferir no livro:
Preconceito pra mim é uma tecnologia ancestral de opressão. É um meio que a sociedade arrumou para tentar nos separar pelo medo que o outro tem do que é diferente de si. Preconceito é ação, é o que faz chorar, o que fazem pessoas serem expulsas de ambientes, colocam outras em perigo e até mesmo mata. Preconceito também é moda, é lugar de privilégio, sempre vem arraigado em algum contexto que supostamente dá um ar de superioridade, mas que só mostra o pior daquele ser. Apesar de muitos dizerem que não aceitam pessoas preconceituosas perto de si, muitos preconceituosos conquistam a fama e são alçados ao estrelato. Preconceito é a fonte do sucesso nessa era. Preconceito é a metástase de um câncer que corrói toda a sociedade em todos os cantos da terra. Preconceito é natural? Acredito que não, mas foi tão bem empregado em nossas vidas, que é uma extensão de alguns quase como um celular. Não nascemos com ele, mas hoje em dia é difícil ver alguém sem.


O Retrato de Dorian Gray (Reedição 2024)
Sou o responsável por um dos pósfacio dessa nova edição. Publicado em livro pela primeira vez em 1891, O retrato de Dorian Gray levou seu autor à prisão após um processo judicial sobre moralismo e obscenidade. Já no século XXI, descobriram-se versões anteriores à do livro, dando início a outro debate acerca de todas as versões da obra. A edição da Antofágica traz o texto de 1891 com notas de rodapé comentando o processo de escrita do autor ao longo de todas as versões deste clássico que é um dos mais amados e analisados da literatura mundial. Leia um trecho do meu texto para esta edição:
Dorian Gray e a Eterna Beleza Branca – (…) Dorian Gray, à semelhança de Samuca, era um adolescente bonito, atraente e inteligente, mas apenas o protagonista do clássico de Wilde foi elevado como exemplo de beleza por ser parte do padrão. No entanto, sua jornada não foi isenta de sofrimento: manter a beleza implicava aceitar que sua existência seria condicionada à juventude. Essa procura incessante por um ideal inatingível é um dos desafios que pessoas negras enfrentam ao tentar, a vida inteira, se adequar a padrões eurocêntricos. Seja lá quais relações estivermos falando.
A narrativa de O retrato de Dorian Gray me levou a uma antiga memória sobre autoaceitação, persistente até os dias de hoje. Ao revisitar essa obra, reflito sobre o narcisismo associado aos padrões inalcançáveis de beleza, que exigem uma pele mais clara, um corpo musculoso e um cabelo que se alinhe a um conceito preestabelecido. Os conflitos desenvolvidos por Wilde ainda ecoam em meu universo pessoal, e, ao longo da leitura, lidar com esses conflitos internos me fez perceber o quanto me machuco ao sentir a necessidade de ser algo diferente para alcançar o pertencimento. A busca por aceitação é uma experiência universal, mas recordar o momento em que um padrão se tornou a base para a minha busca pela autoaceitação é algo fundamental. Ao não reconhecermos nossa própria imagem, damos vida a uma temida criatura que não conseguimos enfrentar – e a cobrimos com o manto do medo. (…)
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